
Luis Lobianco em Gisberta: a transexual que se tornou num símbolo LGBT
Seria difícil acreditar que uma história tão trágica pudesse inspirar um dos grandes nomes do atual humor brasileiro, Luis Lobianco. Mas já devíamos saber que nunca devemos subestimar alguém que faça parte da Porta dos Fundos…
Gisberta foi morta na cidade do Porto em 2006 por um grupo de jovens. O caso chocou o país. Luis Lobianco traz para os palcos nacionais, doze anos depois, a história da transexual brasileira que escolheu Portugal para viver com mais tranquilidade e que, ao invés das suas espetativas, terminou da forma mais cruel. A peça que sobe ao palco do Teatro Sá da Bandeira, nos dias 27 e 28 de novembro, e que segue depois para o Teatro Tivoli BBVA, de 4 a 6 de dezembro, não se centra no episódio da morte de Gisberta. Foca-se, antes, na sua história de vida construída com base nos relatos de familiares, no processo judicial e nas visitas ao local da sua morte, convocando para palco várias personagens interpretadas por um só ator – Luis Lobianco. São as diferentes faces de uma mulher – que sempre assim se sentiu e que lutou pela sua afirmação no universo feminino –, que se configuram num grito pela tolerância e pela justiça.
O TL Blog entrevistou o ator brasileiro da Porta dos Fundos. A cara e o responsável por voltarmos a ver Gisberta… agora em palco.
Porquê fazer uma peça sobre a história de Gisberta?
Já vinha há muitos anos procurando por uma história forte e que motivasse o suficiente pra investigar e levar ao teatro, através de um espetáculo solo, uma história que me emocionasse, que me fizesse rir. Num dia de férias então, quando a princípio eu estaria desligado do trabalho, ouvindo música, me deparei com Balada de Gisberta, na voz de Maria Bethânia, uma composição de Pedro Abrunhosa. Na hora, foi como se sentisse um estalo e fui procurar na internet do que se tratava a música e então tomei conhecimento da história de Gisberta. Por coincidência, era dia 22 de fevereiro de 2016, quando fazia exatos 10 anos da morte da Gis. Ouvi novamente a música e foi quando tive certeza de que era aquela história que eu queria contar. Imediatamente comecei a procurar parceiros para essa empreitada e também a pesquisar. Por conta dos 10 anos do episódio, havia muitas reportagens em Portugal. Me deparei com o processo judicial que cuidava do caso, com relatos jornalísticos da época do crime. E por fim entrei em contato com a família da Gis, que prontamente sinalizou com apoio e se colocou à disposição para contribuir com o processo. Nos forneceram informações preciosas, imagens, depoimentos. A partir daí veio a organização dessa pesquisa documental e em seguida se iniciou o processo de construção da dramaturgia na sala de ensaio.
A peça foi apresentada no Brasil. Agora, doze anos passados sobre o crime que chocou a opinião pública portuguesa, era também obrigatório ser vista em Portugal…
Após o longo processo de pesquisa sobre Gisberta, um aspecto se evidenciou deveras: a história de Gisberta pertence tanto a Portugal, quanto ao Brasil. Se por um lado sua história ainda é pouco conhecida no Brasil, sua terra-natal, e a peça teve como mérito aproximá-la de seus conterrâneos; por outro, foi em Portugal que Gisberta se tornou célebre. Seja por sua meteórica carreira nas noites do Porto, seja pela tragédia que pôs fim à sua vida. Tragédia esta que inclusive mobilizou a sociedade portuguesa, estimulou movimentos sociais se organizarem e lutarem por transformações na seara político e jurídica que fazem hoje de Portugal um dos países mais seguros para a população LGBTQ.
Por isso é muito estimulante a possibilidade de trazer esse espetáculo para o Porto, Lisboa e outras cidades. É como propiciar um reencontro de Gisberta com a terra que ela escolheu e que, sim, a acolheu, sobretudo após o grande êxito da temporada brasileira desta peça. E ao mesmo tempo, é justo e muito legítimo compartilhar com o público português este mergulho dentro da infância da Gis, sua adolescência em São Paulo, sua relação com a família, e até mesmo o olhar da Gis sobre Portugal. São aspectos pesquisados com afinco, abordados pela peça de maneira ora poética, ora contundente, ora documental e ainda inéditos para a maioria da população portuguesa. Trazer Gisberta para Portugal é ampliar sua existência e manter içada a bandeira da tolerância, do afeto e da justiça.
O Luis interpreta várias personagens ao longo de 90 minutos. Que personagens são estas?
Desde o início tive como prerrogativa contar a história de Gis através de outros olhares, de pessoas que conviveram com ela, pois sua verdade morreu consigo, afogada no poço do preconceito e do ódio. Então trata-se de várias personagens que surgem a fim de montar um mosaico que se aproxima do que foi a vida da Gisberta. Então dou voz a personagens de diferentes matizes, de uma dona de casa paulistana, uma das irmãs de Gisberta até um homem gay português que era fã de Gisberta, passando por uma transexual sexagenária que a conheceu nos áureos tempos de sucesso. E esta forma de contar pro público é muito próxima de como eu conheci a história da Gis.
Como é que a peça foi recebida no Brasil e qual a receção que espera que a mesma tenha em Portugal?
A peça tem um retorno extremamente positivo no Brasil, temos uma ocupação média de público de 85% o que é muito bom dentro de um panorama de crise e de uma competitividade com a internet, Netflix e outras atrações que puxam o espectador para ficar em casa. O público comparece e sai emocionado, transformado, algumas esperam pra me dar um abraço, sempre recomendo que elas tomem um chopp depois pra relaxar. E acaba que essa discussão vai para as ruas, a abordagem e as críticas são cheias de entusiasmo e mostram o quanto é importante falar sobre tolerância, compaixão, empatia. Nossas temporadas no Rio aconteceram no centro da cidade, onde há muitos travestis nas ruas, circulando e trabalhando, então não era raro que algumas pessoas dissessem que após sair da peça, passavam a ver essas pessoas com outros olhos. Outra coisa que aconteceu, foi que muita gente que não tinha contato com esse universo pôde se aproximar e se aperceber de nuances sobre a transexualidade que até então elas não conheciam. E foi muito comovente ouvir das pessoas trans que assistiram à peça o quanto elas se sentiram representadas, o quanto a peça tem sensibilidade para retratar, através da Gis, a vida de tantas delas. Tenho certeza que Portugal vai ser muito emocionante e revelador já que tudo aconteceu aqui.
Sendo o Luis um ator que se move sobretudo no terreno da comédia, em que medida é que o humor é também contemplado em “Gisberta”?
O espetáculo tem sim humor, apesar de a história da Gis ser envolta de episódios muito dolorosos, mas durante a pesquisa pudemos perceber que ela era uma pessoa engraçada, com muito bom humor mesmo diante de todas as adversidades que viveu, sobretudo nos episódios referentes à infância, porque sim, nós contamos a infância e adolescência da Gis e isso graças à família, e considerei importante que o humor pudesse estar em cena até mesmo como uma forma de aproximar da veia cômica que marca meu trabalho. O humor, nesta peça em especial, amplia a humanidade da nossa personagem, cria uma empatia com o público e aprofunda o quanto foi trágico o horror que a vitimou. Sinto que quanto mais as pessoas riem no início do espetáculo, mais elas choram ao fim. Misturamos além de textos fictícios, alguns momentos poéticos, relatos judiciais, como o da autópsia, textos jornalísticos e também abrimos espaço para canções. Trazemos para o público as músicas que Gis gostava e cantava em suas apresentações. São várias as linguagens.